Na medicina, os tratamentos de fertilização estão entre os que mais recebem olhar crítico da sociedade, pois representam para alguns a manipulação de vidas que não ocorreram naturalmente.
Para o médico especialista em reprodução humana da clínica do IPGO, Arnaldo Cambiaghi, muitas críticas talvez sejam merecidas, mas outras não. “Nem todos conseguem entender a dor dos casais que têm dificuldade em ter filhos naturalmente e precisam utilizar técnicas de fertilização. As leis e os Conselhos de Medicina procuram organizar limites para esses procedimentos médicos impedindo abusos incontroláveis”, afirma.
Em janeiro deste ano, foi divulgada a Resolução de 1957 do Conselho Federal de Medicina, que substituiu à anterior (nº1358/92), atualizando as regras desses tratamentos. Nesta resolução algumas regras permanecem iguais à anterior e outras foram modificadas.
– Casais homoafetivos e pessoas solteiras
Antes: A regra não especificava se casais de mesmo sexo poderiam usar técnicas da reprodução assistida e não mencionava solteiros. Citava “paciente ou casal infértil”.
Agora: O texto agora usa o termo “as pessoas”, o que abriu a possibilidade para casais homoafetivos e homens e mulheres solteiros. Também caiu a necessidade da concordância do companheiro para pessoas casadas.
– Reprodução “Post Mortem”
Antes: Sem objetividade quanto ao uso de embriões ou gametas congelados de pessoas mortas.
Agora: A reprodução assistida “post mortem” pode ser feita desde que exista autorização precedente específica de quem morreu.
– Número de embriões
Antes: Quatro era o número de embriões implantados de cada vez na paciente, independentemente da idade.
Agora: A implantação está sujeito à idade – até dois embriões para pacientes com até 35 anos, até três para pacientes com idade entre 36 e 39 e até quatro para pacientes com 40 anos ou mais.
O que continua: Não se pode ter lucro com doação de material genético; não se pode pagar pela chamada “barriga de aluguel”; é vetado escolher o sexo do bebê; pacientes devem informar o destino do material congelado (células e embriões) em casos de divórcio, morte e possibilidade de doação; a “redução embrionária”, ou retirada de parte dos embriões implantados com sucesso, é proibida; doadores, seja de gametas ou embriões, devem permanecer anônimos; os procedimentos e suas chances de sucesso devem ser sempre passados aos pacientes com exatidão.
Na opinião de Cambiaghi, destas modificações, o acolhimento dos casais gays e pessoas solteiras era esperado. “Os homoafetivos, por exemplo, conquistaram seu espaço e é fácil de presumir que essa aceitação na reprodução humana já era prevista, porém, algumas regras ainda não são claras quando o interessado é o homossexual masculino. Nessas situações, ainda temos que observar a evolução dos primeiros casos”.
O que preocupa
Entretanto, chamam atenção e preocupam o médico as “determinações” do CFM quanto ao número máximo de embriões transferidos permitidos a uma mulher submetida ao tratamento de fertilização in vitro.
“A própria palavra determinação vem contra aos princípios da medicina humanizada em que se preconiza que os pacientes devem receber um tratamento individualizado. Nesta definição, caberá ao médico, além de aplicar a ciência baseada em evidências, interpretar as necessidades de seu paciente, suas emoções, o seu passado médico, os riscos e benefícios de cada tratamento”.
Para ele, uma conduta médica “determinada”, sem considerar cada caso de maneira individualizada, traz a ideia que os casais são todos iguais como tubos de ensaio em laboratórios em que as reações químicas são previstas e idênticas. Os tratamentos devem ser padronizados, sem variações, detalhes ou nuances.
O texto significa que não caberá ao médico escolher nada diferente do que está sendo proposto. “E as pacientes? E o dinheiro gasto por elas? Suas angústias e frustrações por tratamentos anteriores sem sucesso, o desgaste dos casamentos em busca de um filho, não devem ser considerados? Eles não devem ser ouvidos após serem considerados os riscos de cada tratamento?”, questiona.
Há algum tempo, com a evolução das técnicas reprodutivas, as clínicas de reprodução transferem menos embriões, já que a própria evolução científica obrigou os médicos a fazer isto. “Nenhum profissional, em sã consciência, deseja a gestação múltipla. Isso porque todos têm noção dos riscos que envolvem estas gestações. Estamos no tempo de pouca medicação, menos óvulos fertilizados, menos embriões transferidos e melhores resultados”, enfatiza.
Porém, o especialista frisa que esta “determinação” do CFM está de acordo com uma prática já executada há anos por praticamente todas as clínicas, mas as exceções devem ser consideradas, respeitadas e individualizadas pelo médico que assiste a paciente.
“Acredito que, com o passar dos anos, muitas dúvidas existirão e com a compreensão dos profissionais sensíveis e qualificados, poderemos alcançar um nível de entendimento capaz de fazer cada vez mais e melhor pelas nossas pacientes”, finaliza.