17 de ago. de 2023

Gestação e pós-parto: o que muda no relacionamento do casal?

A sexualidade feminina começou a ser estudada cientificamente por Freud há cerca de um século, mas diversos aspectos ainda permanecem obscuros

A vida sexual da mulher pode ser pareada à sua etapa da vida reprodutiva. Ela nasce, cresce, se reproduz e morre. E é durante a gestação que se sente realizada e completa. Nesse momento, seu foco é essencialmente o filho,  em alguns casos esse período da maternidade gera perda de interesse em outros assuntos, principalmente os sexuais.

Segundo a ginecologista e Obstetra do Hospital das Clínicas da FMUSP, Flávia Fairbanks, nos primeiros anos da infância a menina descobre seu papel feminino e pode estabelecer uma relação edipiana com o pai ou com a figura paterna que exerça sua função; mais tarde, já na adolescência, amadurece e passa a encontrar um foco específico, normalmente o indivíduo alvo do desejo sexual. Nos anos seguintes, a mulher vive mais intensamente em seus relacionamentos amorosos, o número de parceiros pode variar e ela passa a reconhecer seus desejos, preferências, tabus e, fundamentalmente, sua imagem na sociedade e também como “mulher-amante”.

As transformações sempre necessitam de uma forma de adaptação e por vezes podem não serem agradáveis. “Para a “mulher-amante” ser mãe-mulher-amante não é nada fácil. Por mulher-amante entendemos uma figura feminina voltada para si e para o seu parceiro; ela tem tempo e grande preocupação em cuidar de si mesma e do outro, pode e quer se arrumar, praticar esportes, vivenciar a moda, curtir programas noturnos, restaurantes... enfim, namorar”, explica a especialista, que completa: “A chegada de um bebê – uma avalanche em qualquer família, mesmo sendo a melhor e mais emocionante do mundo – transforma essa “namorada”, subitamente, na pessoa mais importante e responsável pela nutrição, carinho, crescimento e saúde de um ser que sequer existia até alguns meses atrás, mas, ressaltando novamente, um ‘serzinho’ novo, que não era, até então, o foco do desejo sexual daquela mulher”.

As transformações ocorridas com a mulher durante o período da gravidez são intensas. A emoção fica aguçada. “Elas choram por tudo, ou quase tudo. Ouvir o bebê chorar deixa a mãe angustiada, amamentar não é fácil, passar noites e noites acordando a cada hora e meia deixa qualquer uma deprimida. E o que não sentem quando as pessoas as olham e falam: você deve estar super feliz, seu bebê é lindo! Algumas se sentem a pior das criaturas, pois não está se sentindo tão feliz assim”, comenta a obstetra.

Ainda segundo Dra. Flávia, é justamente nessa realidade que, após a famosa “quarentena” – período de cerca de 30 a 40 dias pós-parto em que não se deve ter relações sexuais. A mulher deve mostrar ao companheiro que a aquela mulher-amante não morreu.  

Na verdade os parceiros aguardam ansiosamente por esse grande dia, o dia da libertação. Muitos deles estiveram cultivando um jejum sexual desde os últimos meses da gestação, pois poucas mulheres conseguem ter relações normais até o parto, onde encontrem satisfação que sobreponha os incômodos da fase final da gestação. A ansiedade que banha esse momento de reestréia sexual no casal é grande; o marido sonha em reencontrar a esposa-amante, mas ela sabe que esse reencontro não será fácil.

A puérpera – nome dado à mulher que deu à luz recentemente – enfrenta uma redução muito acentuada na libido. Diversos fatores podem explicar tal situação, muitos relacionados aos altos níveis de prolactina, hormônio responsável pela manutenção do aleitamento, mas que também causa secura vaginal e diminuição do desejo sexual. A obstetra explica que outros fatores estão relacionados ao cansaço próprio desta fase de grande privação de sono e também ao processo de cicatrização dos procedimentos utilizados no parto, quer tenha sido a episiotomia do parto normal ou a incisão cirúrgica da cesariana.

“Costumo explicar às pacientes que, a meu ver, a natureza nessa fase é bastante sábia: ela dificulta ao máximo a atividade sexual, reduzindo a libido, promovendo secura vaginal e dor ao ato sexual pela secura extrema, deixando a paciente num grau tão grande de cansaço que, quando ela se deita, só pensa em dormir... tudo isso para evitar que ocorra a relação e, consequentemente, que a mulher engravide novamente”, diz.

Mas por que tudo isso? Porque se a mãe engravidar agora, o aleitamento será interrompido, já que a gestante poupa seu organismo em benefício do crescimento do embrião. Então, para não engravidar com 100% de segurança, só praticando a abstinência sexual.

É aí que começa o papel “mulher-maravilha”: precisam ser mães e donas-de-casa em tempo integral, já que a função abençoada não respeita finais de semana ou feriados e funciona 24 horas. São profissionais que não querem e nem podem abandonar suas careiras em nome dos pimpolhos (afinal não estudamos e investimos tanto em nós mesmas até hoje para nos limitar a trocar fraldas e dar mamadeiras) e, por fim, são aquelas mulheres-amantes por quem nossos companheiros se interessaram e decidiram abraçar o projeto bebê.

Neste momento, o papel do ginecologista que acompanhou e acompanha a paciente é de suma importância: precisa de clareza e disposição para ouvir sua paciente, sugerir algumas mudanças no cotidiano que facilitem a readequação da mulher nesses 3 papéis vitais e, além disso, reconhecer alguns sintomas comuns dessa fase distinguindo a tristeza ou “blues” puerperal normais da famigerada depressão pós-parto.

Ouvir a paciente, conversar abertamente sobre essas questões e explicar conceitos médico-científicos que estão rodeando questões enfrentadas por todas mulheres, facilita a passagem por este período turbulento e tornam as mãe-mulher-amante-paciente muito mais felizes e realizadas.