Com o uso dos termos “sal”, “sódio”, “pressão alta” e “hipertensão” é possível encontrar 17.090 artigos publicados, entre 1966 e 2001, em sites especializados na internet (MEDLINE)1. Isso mostra a complexidade em resumir e oferecer uma versão diferenciada sobre o assunto e seu papel na saúde humana.
Este artigo não representa uma recomendação médica. Favor conversar com seu médico e/ ou nutricionista antes de tomar qualquer decisão de como irá usar o sal em sua alimentação. Aqui temos um paradigma que, a princípio, pode ser chocante. Minha contribuição é a de mostrar o que está disponível na literatura, defendendo outro ponto de vista.
A recomendação para uma dieta baixa em sal (hipossódica) vem sendo uma constante como abordagem coadjuvante no tratamento da hipertensão. Por outro lado, os japoneses – os maiores consumidores de sal do mundo – também são considerados um dos povos mais saudáveis, apesar de estarem em desacordo com as recomendações sobre o uso parcimonioso do sal na dieta2.
Historicamente, esse componente revela sua importância, sendo citado, com destaque, nas escrituras do cristianismo, judaísmo e islamismo. Jesus, por exemplo, referia-se aos seus seguidores como o “sal da terra”, homenageando sua presença na dieta humana. Além disso, existem 32 citações sobre o sal na Bíblia. No Judaísmo, por sua vez, o pão de Shabat (Chalá) é mergulhado no sal como símbolo da preservação do acordo com Deus, enquanto Maomé, no Alcorão, descreve as quatro dádivas enviadas por Deus: o ferro, o fogo, a água e o sal.
Para os hebreus, chineses, gregos e romanos, o sal era valorizado tanto ou até mais do que o ouro. Curiosamente, a palavra salário foi originada do pagamento para os soldados romanos com sal (Solarium Argentums), que há 5.000 anos era uma das mercadorias mais negociadas na China. Antes da existência de refrigeradores, aliás, o sal era o meio de conservação de alimentos mais utilizado.
Todos os aspectos que caracterizam o sal não foram menosprezados pela medicina. Hipócrates (460-370 a.C.) reconhecia o poder curativo da substância. Paracelso (1493-1541 d.C.), certa vez, declarou: “O ser humano necessita de sal. Ele não pode viver sem sal. Onde não houver sal, nada permanecerá, tudo irá se deteriorar”.
Atualmente, é fácil entender o significado da frase de Paracelso. Basta lembrar que uma simples solução fisiológica de sal (soro fisiológico) é capaz de salvar vidas, sendo um tratamento muito útil, especialmente nas situações de emergência.
Assim como oxigênio e água, portanto, não existe vida sem sal. Esses três elementos são a parte mínima necessária para que a energia vital se manifeste. Elefantes, búfalos e hienas são sabiamente famosos por se deslocarem, sem importar a distância, à procura do sal para ingestão. No Quênia, não é difícil encontrar elefantes arriscando suas próprias vidas em busca de depósitos de sal no interior de minas3.
Entre os humanos, sua importância jamais foi desprezada. A Inglaterra financiava sua colonização na Índia cobrando um imposto sobre o sal consumido. Isso fez com que, na década de 1930, Mahatma Gandhi organizasse protestos contra a cobrança de taxas muito altas, o que resultou na libertação do colonialismo no país.
Durante a guerra civil americana, o Norte limitou a disponibilidade de sal para o Sul, contribuindo sobremaneira para que o resultado da guerra fosse favorável ao Norte.
No entanto, se perguntarmos hoje a qualquer pessoa na rua, ou mesmo para a maioria dos médicos, sobre a importância do sal, certamente, o consenso é de que ele é prejudicial à saúde. Por estar associado ao aumento da pressão arterial, o sal é recomendado em baixíssimas doses na dieta (hipossódica) por quase a totalidade dos profissionais de saúde.
É nesse momento que dou início ao questionamento deste artigo – sendo tão importante no passado, é possível agora afirmar que uma dieta com baixo consumo de sal previne e/ou contribui no tratamento da hipertensão de outras patologias (doenças)?
Os estudos de afirmam que o aumento na ingestão de sal causa provoca a elevação da pressão arterial foram realizados em animais, utilizando de 10 a 20 vezes a mais as doses recomendadas de sal refinado (não integral). Esses resultados foram transportados para a espécie humana.
Em 1979, o governo americano emitiu um relatório em que dizia que a pressão alta era causada pela ingestão excessiva de sal, sendo, portanto, necessário adotar uma dieta de baixo consumo para combatê-la (U.S. DEPT. OF HEALTH, EDUCATION AND WELFARE. HEALTHY PEOPLE: SURGEON GENERAL’S REPORT ON HEALTH PROMOTION AND DISEASE PREVENTION, 1979).
A pesquisa mais significativa nessa área foi a Intersalt Trial, que contou com a participação de 10 mil indivíduos de 52 centros, em 39 países. Somente em quatro desses 52 centros ficou evidente que sal contribuía para a elevação da pressão arterial – representados por dois no Brasil, formados por índios Yanomami e Xingu – e dois em Papua-Nova Guiné.
Por terem várias características peculiares, esses povos possibilitaram estabelecer uma correlação significativa. Depois de concluída, a pesquisa registrou que uma redução drástica na ingestão de sal resultou em uma diminuição mínima de 3-6mmHg na pressão sistólica e 0,3mmHg na pressão diastólica4.
O sistema de informações Cochrane – que concentra os principais dados médicos do mundo, em uma única plataforma – analisou 57 ensaios clínicos sobre dieta baixa em sal (hipossódica), em um período de 25 anos. Nesse caso, o efeito hipotensivo foi de 1,27mmHg para a pressão sistólica e 0,54mmHg para a pressão diastólica. Isso significa que uma pressão arterial de 180 mmHg (18cm) de sistólica e 95mmHg (95cm) de diastólica, com a dieta baixa em sal, foi para 178,73mmHg (17,9cm) de sistólica e 94,95 mmHg (9,49cm) de diastólica5.
Um resultado não muito expressivo, não é verdade?
O estudo The National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) é conduzido pelo departamento de agricultura americana a cada década, com o objetivo de avaliar a dieta dos americanos e quais suas consequências para a saúde. Tanto no NHANES I6 quanto no NHANES II7 houve uma redução na mortalidade cardiovascular entre os indivíduos em que a ingestão de sal era superior. O maior risco de morte encontrava-se entre os que ingeriam menos que 2.300 mg/dia7. Até o momento, essas são consideradas as duas maiores pesquisas realizadas sobre os efeitos deletérios de uma dieta hipossódica.
Em um recente estudo europeu – sobre o consumo de sódio e excreção urinária – foi avaliado o efeito do sal na pressão arterial e na mortalidade. Essa análise envolveu 3.681 indivíduos, sendo que 2.096 eram normotensos, ou seja, tinham pressão arterial normal. Os pesquisadores concluíram que o baixo consumo de sódio foi associado com uma maior mortalidade cardiovascular8.
Diabéticos também não são beneficiados pelas dietas hipossódicas. Pelo contrário. Nesses casos, nota-se um aumento de mortes tanto cardiovascular, quanto por todas outras causas9. Além disso, o baixo consumo de sal causa deficiência de magnésio, cálcio, potássio e vitaminas do grupo B10.
Magnésio e potássio, por sinal, são conhecidos pela sua ação anti-hipertensiva. O estudo NHANES, por exemplo, mostrou que a baixa ingestão de magnésio, potássio e cálcio está diretamente associada com níveis de pressão elevados. Por isso, é impossível tratar um paciente hipertenso que se apresenta com hipomagnesemia (deficiência de magnésio) 11.
Se o sal é tão necessário ao organismo, porque existe esse verdadeiro fenômeno contra seu uso nos alimentos? Esse é tema que falta discutir: há alguma vantagem terapêutica no uso do sal e principalmente do sal integral (não refinado) na prevenção e tratamento de doenças?
Minha resposta é sim! Existe uma razão para o uso do sal na nossa alimentação e, principalmente, uma grande diferença entre o sal refinado (NaCl, sal de mesa) e o sal integral. No primeiro, a composição de sódio (Na) e cloreto (Cl) é maior do que a do sal integral, além de contar com a presença de substâncias químicas (branqueadores) usadas para remover as “impurezas” e deixar somente NaCl. Essas substâncias nocivas são: ferrocianeto de alumínio, citrato de amônia, silicato de alumínio, ácido sulfúrico e dextrose (glicose-açúcar refinado).
A “purificação” – retirada de minerais oligoelementos ou microminerais essenciais para o organismo – faz com a durabilidade do sal na gôndola dos supermercados seja maior. Como é do conhecimento médico, os minerais são alcalinizantes (capazes de controlar a acidez no sangue). Sua deficiência – ou mesmo a presença uma doença crônica – provoca acidose metabólica (acidez no sangue).
Diferentemente do refinado, o sal integral (não refinado) não passa pelo processo de “purificação”, mantendo como propriedades cerca de 80 minerais e elementos, todos naturais e essenciais para o organismo. Além de conter menos sódio e cloreto, a versão integral conta com muitos oligoelementos, necessários à manutenção da homeostase (equilíbrio fisiológico), que corresponde à capacidade de o organismo apresentar uma situação físico-química característica e constante, mesmo diante de alterações no meio ambiente.
As dietas atuais, infelizmente, têm colaborado para que muitas pessoas fiquem em um estado de deficiência mineral, o que torna muito difícil, quase impossível, se livrar de uma doença crônica caso a acidez metabólica não seja apropriadamente corrigida.
Em seu livro Salt-you way to health, o Dr. David Brownstein relata um experimento interessante, feito por sua filha Jessy Brownstein. Ao usar duas meia xícaras de água mineral (com pH 6,4) – colocando em uma delas uma colher de chá de sal refinado e na outra uma colher de chá de sal integral –, ela observou que na primeira meia xícara (sal refinado) o pH diminuiu para 6,0, enquanto na segunda meia xícara (sal integral – sal do mar céltico) o pH aumentou para 6,8.
Sabendo-se que o pH é expresso em uma escala logarítmica, o que houve, na realidade, foi um aumento de oito vezes no potencial hidrogeniônico (pH 6,0 vs. pH 6,8) entre a diluição do sal integral e do refinado. Isso, portanto, comprova que o sal integral pode ser um nutriente importante na prevenção e tratamento da acidose metabólica.
O sal refinado (38% de sódio e 60% de cloreto) ou integral (33% de sódio e 50% de cloreto) tem uma função fisiológica fundamental no funcionamento apropriado do organismo. Uma dieta baixa em sal (hipossódica) acarreta uma série de efeitos metabólicos indesejáveis, como a maior liberação de renina, angiotensina, aldostesterona, noradrenalina e insulina, substâncias essas que podem trazer consequências deletérias 12-13. Segundo o Dr. Brownstein: “o sal integral é capaz de otimizar os sistemas imune e endócrino. É impossível ter um sistema imune funcional na presença de deficiência de sal”.
A elevação de colesterol e LDL-colesterol tem sido associada a eventos cardiovasculares adversos, incluindo o acidente vascular cerebral (derrame) e o infarto do miocárdio. Uma dieta baixa em sal, segundo pesquisa, pode causar um aumento significativo (>10%) no colesterol e no LDL colesterol14. Por outro lado, a baixa ingestão de sal aumenta a resistência insulínica e, consequentemente, um aumento nos níveis de insulina e portanto um aumento na predisposição ao diabetes12.
Quando está em baixa no organismo, o sal é capaz de aumentar em 400% o risco de infarto do miocárdio, de acordo com dados da pesquisa MRFIT, feita com 361.662 homens15. Em outro estudo, 2.937 indivíduos hipertensos foram avaliados conforme sua ingestão de sal. Os com baixa ingestão apresentaram um aumento de 430% no risco de infarto do miocárdio, em comparação aos que consumiam com frequência6.
A habilidade dos rins em eliminar o sódio está relacionada com o sistema renina-angiotensina-aldosterona, que regula a excreção e a absorção de sódio nos rins, suor e trato digestório. A insulina, por sua vez, é o hormônio que envia o comando para os rins, com a finalidade de reabsorver sódio16.
Portanto, quando as pessoas são submetidas a uma dieta baixa em carboidratos, elas eliminam mais fluidos do que o normal. O aumento de carboidratos na dieta eleva os níveis de insulina e eleva a retenção de sódio. Uma dieta baixa em sal gera um aumento de insulina e da resistência insulínica com retenção de sódio e fluidos17. Esse talvez seja o motivo da dieta hipossódica estar associada a um aumento de mortalidade em pacientes diabéticos9.
O sal, curiosamente, é um agente importante na destoxificação do corpo, especialmente nos casos de toxicidade relacionada ao bromo, que pode causar desde delírios até quadro clínico de esquizofrenia18. O bromo é um elemento indesejável para a fisiologia humana.
O bromo e o cloreto competem pela excreção renal. Portanto, quando ocorre uma diminuição de cloreto no organismo, como no caso de uma dieta hipossódica, haverá concomitantemente uma maior absorção de bromo nos rins e, com isso, um aumento da vida média do bromo no sangue.
Estudos feitos em ratos têm demonstrado que uma dieta hipossódica pode aumentar a vida média do bromo no sangue em até 733% (de três para 25 dias)19. Isso, certamente, interferirá na funcionalidade tireoidiana, levando a um quadro clínico de hipotireoidismo.
Diante de todas essas informações, as conclusões pragmáticas dessa avaliação correspondem a:
- Os sais não são iguais. O sal integral tem um poder alcalinizante oito vezes superior ao sal de mesa e aproximadamente 80 minerais importantes para a fisiologia humana;
- A redução do sal na dieta afeta quase nada os níveis pressóricos e não constitui uma abordagem terapêutica muito útil no tratamento da pressão alta;
- Dieta baixa em sal leva a um aumento indesejável da resistência insulínica e a um aumento significativo de colesterol e LDL-colesterol;
- Reduzir a ingestão de sal na dieta não é a solução e tudo indica que pode causar problemas adicionais de saúde;
- O sal é um agente destoxificante que contribui para o bom funcionamento corporal e manutenção da homeostase;
- Assim como o oxigênio e a água, o sal é essencial à vida. Devemos ter cuidado para não criar um quadro de hiponatremia (deficiência de sódio), utilizando uma dieta muito baixa em sal.
A decisão de como proceder daqui por diante está em suas mãos. Lembre-se sempre de consultar seu médico e/ ou nutricionista antes de mudar seus hábitos alimentares. Recomendo que leve um impresso deste artigo.
Um pensamento para reflexão:
Lembre-se de que uma uva uma vez madura, não volta a ser verde!
Fonte: Dr. Lair Ribeiro – Cardiologista/Nutrólogo